9 reflexões sobre o consumidor brasileiro

20/05/20

Os consumidores estão cada vez mais exigentes, tanto porque o dinheiro é mais contado, apesar da facilidade de crédito, quanto porque estão mais protegidos pelas instituições

Esse conteúdo faz parte do livro “As Marcas no Divã – Uma análise de consumidores e criação de valor”, de Jaime Troiano, Presidente de TroianoBranding. Você pode fazer o download gratuito da publicação no link.

Ao redor de uma mesa de reuniões para discutir perspectivas para o ano seguinte, é comum que haja algumas pressões para reavaliar nossa visão sobre alguns temas. Por exemplo: Como estará se comportando o mercado no novo ano? De fato, há mudanças no comportamento e nas atitudes das pessoas. Veja alguns exemplos, típicos principalmente das últimas duas décadas:

Os consumidores estão cada vez mais exigentes, tanto porque o dinheiro é mais contado, apesar da facilidade de crédito, quanto porque estão mais protegidos pela Constituição e pelo Código de Defesa do Consumidor. O poder de compra das mulheres e sua importância como consumidoras cresceram e crescerão mais. Hoje, no mínimo 70% das decisões de compra dependem, direta ou indiretamente, do sexo feminino.

Os segmentos jovens, particularmente o dos teenagers, tornaram-se fundamentais para o mercado de produtos e serviços. É difícil encontrar uma família em que os pais decidem sobre a compra de eletrônicos, equipamentos de lazer, viagens, automóveis etc. sem ouvir seus filhos antes. Ninguém ganhará dinheiro sem os pobres. Independentemente do valor do salário mínimo, é impossível imaginar grandes negócios sem envolver a maior parte da população das classes C e D, que representa mais de 60% do mercado. Trata-se dos consumidores potenciais de milhares e milhares de empresas.

O “caxias” será cada vez mais importante. Inspirado na visão do brilhante antropólogo Roberto DaMatta, atrevo-me a dizer que nós, brasileiros, gravitamos sempre ao redor de três perfis de personalidade. O “malandro” é o primeiro, e dele não preciso falar muito, porque é mais do que conhecido, mas também repudiado. O segundo, chamo de “beato”, e está muito ligado às formas efervescentes de religiosidade. O terceiro é o “caxias”, que demonstra comportamentos disciplinados em relação à família, ao trabalho e à cidadania. Parece que suportamos cada vez menos os traços de “malandragem” de nossa personalidade coletiva. Por outro lado, ser mais “caxias”, sem levar em conta o aspecto folclórico do nome, é a meta de muitos consumidores. Isso deve contribuir para o aperfeiçoamento do capitalismo brasileiro e de nossa sociedade(1).

Talvez uma das mudanças mais profundas que vivemos na última década é a digitalização das relações entre pessoas, entre pessoas e marcas ou empresas e entre as mais diferentes dimensões da sociedade.

Essas são tendências de mudança, todas em andamento. No entanto, o consumidor, como pessoa, tem certos traços muito permanentes que não estão sujeitos à mudança do calendário. Assim, vou falar do que nunca muda, do que não me parece transitório, das características mais primárias e estáveis na constituição do consumidor:

1. Ele permanecerá imerso em suas emoções quando estiver processando comportamentos de compra. Esqueça qualquer possibilidade da emergência de consumidores racionais fazendo compras como se elas fossem equações matemáticas.

2. Marcas ocupam espaço vital na rotina do consumidor. Elas continuarão a dar sentido a suas escolhas e a criar uma identidade para ele. Nada tão remoto e ilusório como um cenário no qual as marcas deixassem de ser o centro da escolha do consumidor. E digo mais: nos espaços virtuais de e-commerce criados pela internet, elas já são importantes e serão ainda mais. Comprar e fazer negócios à distância exige marcas respeitadas e de qualidade reconhecida.

3. Quase como consequência do ponto anterior, o consumidor continuará a ser o legítimo proprietário das marcas. É apenas em seu coração e na sua mente que elas têm existência concreta. Isso obriga as empresas a acompanhar e entender seu consumidor como o fiel depositário de seu ativo mais valioso.

4. O consumidor brasileiro insistirá em “tirar o atraso” de décadas de contenção. Enquanto existir estabilidade econômica – e espero que fique para sempre –, buscará formas de compensar a emoção adiada tantas vezes, em compras que ele não pôde fazer. Persistirá sua paixão por promoções, descontos, saldões etc., não por que ele gastará menos, mas principalmente porque comprará mais. E a inadimplência será sempre uma possível ressaca dessa deliciosa bebedeira…

5. O consumidor continuará sendo “malinchista”, ainda que com o reconhecimento de que nem tudo que vem de fora é melhor. A propósito, dizem que uma das amantes prediletas de Hernán Cortés, quando os espanhóis chegaram ao México, adorava tudo o que ele trazia da Espanha. Seu nome era Malinche. O “malinchismo” é um traço essencial de nossa personalidade latino-americana.

6. O consumidor não deixará de se encantar com nossa comunicação. Além de ser importante fonte de informação, ela continuará alimentando suas fantasias e seus sonhos, muitas vezes entretendo mais que o próprio programa. No entanto, o consumidor sempre repudiará o mau gosto e, em geral, o estupro a sua inteligência.

7. O consumidor seguirá ignorando quem fala com ele de forma confusa. Sairão perdendo as empresas sem atitude profissional para desenvolver estratégias claras e relevantes para suas marcas – e também aquelas que não têm conhecimento legítimo de seu público-alvo, isto é, não entendem seu consumidor como pessoa.

8. O consumidor continuará amando as marcas que não mudam de cara da noite para o dia – em outras palavras, marcas que resistem ao novo diretor de criação ou de marketing.

9. Por fim, ele ainda se mostrará disponível e interessado para ser ouvido e consultado. Muitos estarão ansiosos para dizer o que pensam. Por isso, vá além das opiniões que normalmente são filtradas. Ouça diretamente da fonte o que seu consumidor tem a dizer.

Apesar de parecer que tudo muda no planeta, esse “velho” consumidor espreita e conta com nosso profissionalismo. Em “Tabacaria”, Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, diz que ele próprio e o dono da tabacaria morrerão. E continua:

[…]

Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.

A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos

também.

Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a

tabuleta,

E a língua em que foram escritos os versos.

Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto

se deu.

Em outros satélites de outros sistemas qualquer

coisa como gente

Continuará fazendo coisas como versos e vivendo

por debaixo de coisas como tabuletas.(2)

Lembre-se de que, como os versos e as tabuletas, o consumidor é movido por sentimentos humanos quase eternos.

1 DaMatta, Roberto. Malandros, caxias e beatos: afinal, quem somos? Rio de Janeiro: Rocco, 1997. (N. E.).

2 Disponível em: . Acesso em: 27 fev. 2009. (N. E.).

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Livro Marcas no Divã

#comportamento do consumidor

Fonte: https://www.mundodomarketing.com.br/ultimas-noticias/38289/9-reflexoes-sobre-o-consumidor-brasileiro.html